A biossegurança também se aplica às silagens

A segurança e a qualidade do leite, e dos produtos lácteos, dependem de um conjunto de fatores, entre os quais a qualidade do leite cru entregue pelos produtores pecuários. Para atingir este objetivo, as Explorações Leiteiras implementam medidas que visam prevenir a contaminação do leite por resíduos de medicamentos e produtos agroquímicos, contaminantes ambientais, entre outros. A alimentação é uma importante fonte de contaminantes químicos e microbiológicos, com destaque para as silagens, a forma mais popular de conservar alimento nas explorações pecuárias.
As silagens mal conservadas têm um impacto negativo na produção, pois o seu valor nutritivo decresce, mas também se tornam fonte primária de agentes patogénicos, assim como de transmissão de doenças infeciosas, e podem influenciar a qualidade do leite produzido.

Resumidamente, o objetivo do processo de ensilagem é obter rapidamente um pH baixo por meio da produção de ácido lático e manter as condições de anaerobiose. Quando estas condições (e outras) não são atingidas eficazmente pode ocorrer contaminação ou proliferação de um conjunto de agentes microbiológicos indesejáveis nas silagens.

Existem vários agentes, ou toxinas, que podem colocar problemas de biossegurança nas silagens e forragens. Podemos agrupá-los em:

  1. Agentes anaeróbios formadores de esporos, como as espécies de Clostridium;
  2. Agentes aeróbios formadores de esporos onde se incluem os Bacillus;
  3. Bactérias patogénicas como Escherichia coli, Salmonella spp, Mycobacterium partuberculosis e Listeria monocytogenes
  4. Bolores e Leveduras
Agentes anaeróbicos formadores de esporos – Clostridium spp

Podemos encontrar nas silagens várias espécies de Clostridium (Figura 1), alguns autores agrupam as várias espécies em 3 grupos:

  1. Grupo dos Clostrídeos proteolíticosClostridium sporogenes é o mais importante e predominante na silagem e utilizam a sua energia a partir da fermentação de proteínas e carboidratos;
  2. Grupo dos Clostrideos butíricos – fermentam um largo espetro de carboidratos;
  3. Clostrídeos tyrobutiricos – fermentam um número limitado de carboidratos, possuem capacidade de transformar ácido láctico em ácido acético e butírico na presença de pH baixo.

O Clostridium tyrobutyricum é a espécie mais estudada, pois é responsável pela produção de ácido butírico na presença de pH baixo e utiliza o ácido láctico como substrato para o seu crescimento. Os efeitos fazem-se sentir na qualidade da conservação, valor nutritivo (decréscimo em energia e proteína) e palatabilidade da silagem.

Em condições normais, o Clostridium botulinum, responsável pelo botulismo, raramente é encontrado na silagem. Pode ser encontrado, assim como as suas toxinas, se houver presença de carcaças de pequenos mamíferos e aves aquando da ensilagem ou na sequência de contaminação por chorumes com presença de esporos deste agente.

Figura 1 – Colónias de Clostridium spp

Fonte – Segalab, 2016

Agentes aeróbios formadores de esporos – Bacillus spp

Os esporos de bactérias formadoras de colónias, como Bacillus cereus, podem ser encontrados no solo, silagem, alimentos concentrados, camas e estrumes e chorumes. O solo é uma fonte importante destes esporos sendo de esperar que se encontrem em silagens mal conservadas principalmente nas camadas mais superficiais.

Bactérias patogénicasEscherichia coli, Salmonella spp, Mycobacterium partuberculosis e Listeria monocytogenes

Listeria monocytogenes provoca uma doença conhecida por Listeriose (importante para a Saúde Pública) e pode ser encontrada em silagens mal fermentadas, solos e até à superfície da água. Os animais infetam-se quando ingerem alimentos contaminados com a bactéria. Quer os animais doentes, quer os portadores, eliminam depois a Listeria nas fezes e, em menor grau, no leite. O grau de anaerobiose e o pH são os fatores mais importantes para a sobrevivência e multiplicação deste agente na silagem. Alguns autores detetaram Listeria em cerca de 30% de amostras de silagem com pH igual ou superior a 4.5, já em silagens com pH inferior a 4.5 o número era de 6% (Figura 2).

A Escherichia coli existe no trato digestivo de ruminantes saudáveis. Estes são reservatórios naturais da bactéria e a sua presença no leite tem origem fecal. Felizmente, a E. coli perde a sua viabilidade e não cresce em pH abaixo de 4.5-5.0.

A E. coli é encontrada em silagens com graves problemas de fermentação, principalmente nas zonas deterioradas (Figura 3). A presença de oxigénio prolonga a sobrevivência das Enterobacteriaceae nas silagens fechadas. Quando abertas, algumas enterobactérias multiplicam-se e atingem valores elevados na silagem.

A Salmonella spp (Figura 4) e o Mycobacterium paratuberculosis ocorrem com maior frequência por contaminação acidental dos alimentos, principalmente quando se prepara e se distribui o bolo alimentar. Evitar áreas lamacentas e cruzamentos dos circuitos alimentação e chorumes.

Figura 2 – Colónias de Listeria spp e Listeria monocytogenes

Fonte – Segalab, 2016

Figura 3 – Colónias de Escherichia coli

Fonte – Segalab, 2016

Figura 4 – Colónias de Salmonella spp

Fonte – Segalab, 2016

Bolores e leveduras

Em condições de anaerobiose, as leveduras podem fermentar os açúcares produzindo etanol; este composto vai reduzir as quantidades de açúcares disponíveis para a produção de ácido assim como aumenta as perdas de matéria seca.

Em condições de aerobiose, as leveduras oxidam o ácido láctico causando um aumento do pH da silagem criando condições para a ocorrência de outros agentes indesejáveis. A quantidade de leveduras aumenta durante as primeiras semanas após a ensilagem e depois decresce. A sobrevivência destes agentes depende do grau de anaerobiose, pH e concentrações de ácidos orgânicos na silagem (Figura 5).

O crescimento de bolores ou fungos ocorre, principalmente, nas camadas superficiais dos silos e pode ser indicativo de deficiente compactação. Também se desenvolvem durante as fases avançadas de deterioração da silagem (Figura 6).

Convém não esquecer que as plantas podem vir já contaminadas com fungos dos campos. A presença destes agentes nas silagens reduz o valor nutricional e a palatibilidade. Algumas espécies produzem mico toxinas (aflatoxina B1) que são responsáveis por graves problemas de saúde nos animais, nomeadamente, problemas digestivos, reprodutivos e decréscimo da função imunitária.

A inspeção visual, a avaliação olfativa, a avaliação manual da textura, do grau de humidade são algumas das formas utilizadas para caracterizar as silagens. Atualmente, é possível avaliar quantitativamente se existe contaminação das silagens, ou não, e se os valores são preocupantes ou aceitáveis.

Figura 5 – Colónias de leveduras

Fonte – Segalab, 2016

Figura 6 – Colónias de bolores

Fonte – Segalab, 2016