A Doença Hemorrágica Epizoótica já chegou a Portugal
A Doença Hemorrágica Epizoótica já chegou a Portugal
Recentemente o mundo da pecuária ficou em alerta com as notícias de uma nova doença que afeta os bovinos, chamada Doença Hemorrágica Epizoótica (EHD). O alastramento da doença no território nacional é motivo de preocupação e implica restrições ao movimento de animais nas explorações, nomeadamente para exportação.
A EHD é transmitida pelo vírus da doença hemorrágica epizoótica (EHDV) que, semelhante ao BTV (doença da língua azul); é um Orbivírus da família Reoviridae. O vírus é transmitido entre animais pela picada de mosquitos, do género Culicoides, infetados (FIGURA 1). Duas espécies de Culicoides estão confirmadas como vetores de EHD: Culicoides sonorensis e Culicoides insignis. No entanto, suspeita-se que espécies adicionais possam atuar como vetores, contribuindo para aumentar a transmissão.
Este vírus prospera em climas tropicais e temperados, mas muito provavelmente devido ao aquecimento global a presença deste vírus foi relatada em todo o mundo. Os surtos da doença ocorrem normalmente entre o final do verão e o início do outono. O início do período de geada leva a uma diminuição da prevalência da doença devido as diminuições dos vetores biológicos. Até ao momento, foram identificados, pelo menos, sete serotipos, no entanto estudos de sequenciação sugerem o aparecimento de novos serotipos por todo o mundo.
Os animais mais suscetíveis a esta doença são os ruminantes, em especial, os bovinos e cervídeos selvagens (veados, gamos e corsos). Os ovinos e caprinos também são suscetíveis a EHDV, mas normalmente não apresentam sinais clínicos.
Não sendo uma preocupação para o Homem, uma vez que não é transmitida para os humanos, nem existe riscos no consumo de carne e produtos provenientes de animais infetados, a EHD pode levar a perdas consideráveis devido aos sintomas que os animais apresentam destacando-se: febre, falta de apetite, lesões na mucosa oral, feridas no focinho, coxeira devido à inflamação das coroas dos cascos e úbere avermelhado. Dependendo do serotipo, a EHD pode culminar na morte do animal, mas quando tratados atempadamente, os animais recuperam em 2 semanas. Não existe vacina autorizada na UE. A ausência de uma vacina leva a que a prevenção seja crucial para reduzir a transmissão do vírus. As explorações devem reforçar a vigilância clínica, aumentar a higienização e controlo de mosquitos através de inseticidas e repelentes e ter atenção à movimentação dos animais entre explorações. O vírus é facilmente inativado por ß-propiolactona, 2% p/v glutaraldeído, ácidos, álcalis (2% p/v hidróxido de sódio), 2-3% p/v hipoclorito de sódio, iodóforos e compostos fenólicos.
A doença apareceu pela primeira vez na União Europeia em Itália, em 2022. No final do ano 2022 o território português ficou em alerta devido aos casos confirmados em Espanha.
Contudo o primeiro caso positivo em território nacional apenas foi confirmado em julho de 2023, no Alentejo. Esta região de Portugal é onde há mais explorações afetadas e sabe-se que aí há uma circulação ativa do vírus, mas o país está quase todo sinalizado por causa das explorações confirmadas em Espanha (MAPA 1). Sempre que um caso é confirmado é traçado um raio de 150 quilómetros que limita o espaço onde os animais podem circular. O objetivo destes perímetros é evitar que a doença se continue a espalhar. É importante sinalizar todos os casos para evitar a proliferação. Como referido, o reforço da higienização e desinsectização é fundamental para prevenir o agravamento da situação.
A deteção do agente viral pode ser feita através do isolamento do vírus por cultura celular ou pelo método RT-PCR, sendo este, o mais indicado por ser mais rápido e eficaz. Para a deteção de anticorpos específicos contra a EHD podem ser utilizadas várias técnicas como AGID, VN, FC e ELISA. O método de ELISA de competição é recomendado pela OIE (Office International des Epizooties) como a escolha assertiva para a deteção de anticorpos, pois apresenta elevada sensibilidade e especificidade, principalmente no que diz respeito a reações cruzadas. O EHDV demonstra reatividade imunológica cruzada com outros orbivírus, nomeadamente o vírus da Língua Azul (BTV).
A EHD é uma das doenças que consta na lista de Doenças de Declaração Obrigatória. Com a presença confirmada do vírus da EHD na Europa, foi adicionado um novo teste obrigatório para a exportação de animais, deteção do agente EHDV por RT-PCR. Para exportar animais para diversos países como como Arménia, Cabo Verde, Catar, Egito, Emirados Estados Unidos, Israel, Jordânia, Líbano, Líbia ou Marrocos, é necessária a realização de diversos testes laboratoriais que atestem que o animal é livre de diversas doenças. No caso dos bovinos, as doenças mais solicitadas são Schmallenberg, Língua Azul, IBR (Rinotraqueíte Infecciosa Bovina) e BVD (Diarreia Viral Bovina). Até ao momento, Marrocos foi o único país que acrescentou a EHD à lista de doenças obrigatórias a testar.
Mantendo o preceito da Segalab de estar sempre a par das necessidades dos produtores pecuários, a Segalab, em dezembro de 2022, quando soaram os primeiros alarmes no país, acrescentou ao seu portefólio de análises a deteção de anticorpos contra a EHDV. Mais recentemente e face ao avanço da doença no território nacional, adicionamos também a pesquisa do EHDV por RT-PCR.
É evidente que a propagação de várias doenças caraterísticas de zonas tropicais para a zona mediterrânea é consequência das alterações climáticas. Portugal é considerado um país de elevada vulnerabilidade para os efeitos adversos das mudanças do clima, entre os quais, seca, fogos florestais, erosão da linha costeira, aumento de tempestades, entre outros. Estas adversidades que são espectáveis levam a um aumento da dificuldade na manutenção dos sistemas agrícolas devido às limitações hídricas, diminuição da produtividade agrícola, levando a propagação de diversas doenças transmitidas por vetores.
Adelaide Pereira, Catarina Martins e Paula Costa – SEGALAB